Resposta do Flávio / Parte 2 de 2
Ainda há certos credos ateístas, por exemplo, que também tentam impor seus dogmas. Todos estão sob a sombra da DUALIDADE. A Bíblia é compêndio do saber que propõe a superação dessa DUALIDADE, ao conhecimento de Cristo, na linguagem particular de parte da Bíblia, que é, em último caso, a consciência NÃO-DUAL.
Muitas passagens da Bíblia têm por “Deus” não aquilo que nós conceituamos normalmente por Deus, ou a resposta à seguinte pergunta: “O que é Deus?”. Esse Deus do Antigo Testamento, por exemplo, que deplora outros “deuses”, é símbolo, na verdade, em palavra resumida, da Sabedoria. A Sabedoria sofre antropomorfismo na Bíblia, e como todo ser antropomórfico, ele tem suas particularidades. Essa Sabedoria é intransigente, reveste-se Senhor de um determinado “povo”, no caso os “judeus”, exigindo a abstinência de culto a outros “deuses”, apedrejamento de determinados “homens” por sua conduta. A Bíblia é livro por excelência alegórica, bastante sofisticada. É por isso que o apóstolo Paulo, em Gálatas, 4:21 em diante, referindo-se às duas mulheres de Abraão, Agar e Sara, diz, em certo trecho:
“Estas coisas são alegóricas; porque estas mulheres são duas alianças; uma, na verdade, se refere ao monte Sinai, que gera para escravidão; esta é Agar…” (ARA)
Para a consciência sob a DUALIDADE é impossível fazer incursão na Bíblia, pois ainda é “velho homem”, não consegue discernir as coisas espiritualmente, nem em sua mente pode conceber o verdadeiro universo bíblico, pois não conhece ainda a expansão de consciência que a TRANSCENDÊNCIA promove. Quanto menos maduro, mais literal toma a Bíblia e assim seu entendimento é morto. Lê os livros do Antigo Testamento como históricos, por exemplo, ou com pretensão histórica. O “judeu” bíblico é tomado com o judeu nação histórica do planeta Terra. Não sabe distinguir o judeu alegórico (“povo eleito”) do judeu nação histórica. A palavra Deus tem diferentes sentidos dentro do texto bíblico. Ora é Sabedoria, com roupagem com características antropomórficas, ora é o UM, aquele que a tudo dá existência e não há ninguém, nem ser humano, fora d’Ele, como retratado em Isaías 45:5-7. Não há conflito entre as passagens bíblicas entre os diversos sentidos da palavra Deus. A Bíblia é um compêndio estupendo, e tem engenho magistral de alegoria que abarca a Sabedoria divina, que é de domínio do NÃO-DUAL.
A Bíblia não usa o termo DUALIDADE nesta forma vernácula, mas o exprime mediante alegoria. Ela está presente em toda a Bíblia, seja no Antigo Testamento como no Novo Testamento. Citemos apenas dois trechos sobre DUALIDADE, entre inúmeros:
a) Evitar a DUALIDADE: “Deuteronômio 22:11 (ARA) Não te vestirás de estofos de lã e linho juntamente.”
Comentário: Lã e linho são duas espécies distintas de tecido, representando a DUALIDADE. A consciência humana não deve gerar em si impulsos de ignorância carnal, que é representado pelo vestir-se da DUALIDADE. A consciência carnal o toma ao pé-da-letra essa passagem, como um “deus” exigindo essa satisfação, e não raras vezes, os mais ingênuos podem observar isso na veste cotidiana.
b) Superação da DUALIDADE: “Isaías 11:7 (ARA) A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi.”
Comentário: A vaca e a ursa são inimigas na natureza, uma é presa da outra, são discordantes, formando uma DUALIDADE. Tanto a vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias se deitarão juntas, isto é, tornar-se-ão UM, ou consciência NÃO-DUAL; o leão comerá palha como o boi, pois a “carne”, alimento do leão, no caso, é símbolo do pecado, ou consciência DUALÍSTICA.
O termo DUALIDADE é de domínio universal, a RELIGIÃO é conhecida por pessoas altamente espiritualizadas em muitas partes do mundo, e na história a Espiritualidade autêntica, a consciência da NÃO-DUALIDADE foi perseguida e alcançada por muitas almas humanas, gerando escrituras diversas há milhares e centenas de anos, mas tendo sempre o mesmo domínio de conhecimento.
Assim como a água é presente no mundo todo e recebe denominações diversas dependendo do idioma, DEUS recebe denominações diversas dependendo da tradição observada, sendo tradição vinculada ao domínio da consciência NÃO-DUAL. Há as chamadas “religiões” que não alcançam o domínio da consciência NÃO-DUAL, diga-se, que se cingem ao domínio da consciência carnal, nunca se elevando ao espiritual. Essa consciência pode cultuar diferentes “deuses”, um “deus”, mas sempre diverso do DEUS da consciência NÃO-DUAL. A consciência carnal é ignorante das coisas de DEUS.
O “Deus” dos Hindus, que o caro Alberto Guido contrapõe ao “Deus” da Bíblia e Alcorão, achando-os distintos, não tem prova na tradição autorizada. Há somente um DEUS, aquele do Isaías 45:5-7, que é conhecido em muitas escrituras autorizadas de diferentes partes do mundo.
Peguemos o Bhagavad-gita, escritura tida como sagrada pelos Hindus. No capítulo 4, versículo 22, temos passagem inequívoca de referência à DUALIDADE, que é tema proposto pela RELIGIÃO, assim redigido:
“Aquele que se contenta com o ganho que vem automaticamente, que está livre da dualidade e que não inveja, que é estável tanto no sucesso quanto no fracasso, nunca se enreda, embora execute ações.”
Veja o termo DUALIDADE aí presente. Não é um termo acidental, mas termo próprio da RELIGIÃO. Veja-se que a “dualidade” desse versículo é algo que deve ser superado, pois é fato negativo. O Bhagavad-gita mira o NÃO-DUAL.
E para não deixar dúvida sobre a TRANSCENDÊNCIA, que é o domínio do NÃO-DUAL, no versículo seguinte – 23, o Bhagavad-gita registra:
“O trabalho do homem que não está apegado aos modos da natureza material e que está situado em pleno conhecimento transcendental funde-se por completo na transcendência.”
Assim como há a consciência de Cristo, outro paralelo de mesma natureza é consciência de Krishna, referido pelo Bhagavad-gita. Não importa o nome que a água receba, em todos os recantos do mundo ela tem o poder de saciar a sede. Assim Cristo, bem como Krishna são a mesma água, é mesma substância, porque concede à alma humana a TRANSCENDÊNCIA, a vivência do NÃO-DUAL, que é vida exuberante e de eterna paz, inimagináveis para os de consciência carnal. Bem disse Paulo:
Romanos 14:17 (ARA) Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo.
O Reino de Deus, ou Reino dos Céus, está dentro do ser humano e ocorre nele:
Lucas 17:21 (ARA) Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós.
Ainda no popularmente chamado “hinduísmo”, na escola Vedanta, temos os Upanixades, escrituras autorizadas. Peguemos Upanixade Brihadaranyaka, para exemplo:
“Um oceano é aquele que vê, sem nenhuma dualidade [Advaita]; este é o mundo Brahma, o rei. Assim Yajnavalkya o ensinou. Este é o seu maior objetivo, este é o seu maior sucesso, este é o seu mundo mais alto, esta é a sua maior felicidade. Todas as outras criaturas vivem em uma pequena porção dessa felicidade.”
Veja novamente o tema da DUALIDADE aí expresso, sempre com sentido negativo. “Sem nenhuma dualidade”, isto é, atingiu-se a consciência NÃO-DUAL.
Quanto às escrituras budistas, têm comunhão com a RELIGIÃO? Lidam com a DUALIDADE e sua superação como as citadas Bíblia e Bhagavad-gita e as Upanixades? Buscam o NÃO-DUAL, aquele DEUS preconizado pelo Isaías 45:5-7? A resposta é sim. Eu me apego a uma joia da escola Mahayana budista, o Lankavatara sutra. Diz um trecho:
“Há ainda outros que falam de mim como o Não nascido, como o Vazio, como as “coisas como elas são”, como a Verdade, como a Realidade, como o Princípio Último; há ainda outros que me veem como Dharmakaya, como Nirvana, como o Eterno; alguns falam de mim como não-dualidade, como imortal, como informe; alguns pensam em mim como a doutrina de causa e efeito do Buda, ou da Emancipação, ou do Caminho Nobre; e alguns pensam em mim como Mente Divina e Sabedoria Nobre.”
Veja-se a citação textual “alguns falam de mim como não-dualidade”. A NÃO-DUALIDADE do sutra Lankavatara é também equivalente à VERDADE no trecho citado. E VERDADE é atributo de Cristo também (cf. João 14:6). Há equivalência semântica em todas as escrituras citadas.
A NÃO-DUALIDADE ou NÃO-DUAL, é estágio PÓS-TRANSCENDÊNCIA, onde se diz viver a “vida eterna”, ou “imortalidade” (termo empregado por Paulo muitas vezes – cf. 1Cor 15:53-54). O termo “imortalidade” é empregado, como exemplo, também pelo texto védico (tradição hindu) Upanixade Mundaka, pelo Bhagavad-gita, pelo Alcorão, este que também usa “vida eterna”, tudo para designar o estado NÃO-DUAL de consciência.
A TRANSCENDÊNCIA é conhecida por vários nomes, sendo exemplos o BATISMO no Novo Testamento, MOKSHA na tradição hindu, por SATORI na escola budista ZEN, e há muito outros termos.
Há vários estágios de consciência dentro do campo de visão da mente carnal, bem como há várias fases dentro da mente espiritual. Naturalmente nem todos permanecem na mente carnal, progridem para o estágio NÃO-DUAL de consciência. O Reino de Deus se inaugura no coração, tudo é completa paz e alegria. A mera morte do corpo humano é fase natural da natureza, não há angústia e sofrimento por ela sobrevir. Tudo flui por Deus, o nascimento, a morte, tudo é obra de Deus. A morte do pecado, que é a ignorância própria da DUALIDADE, é superada. A alma não se fatiga quando o Reino de Deus está desperto no coração humano, tudo é maravilhoso. Deus é a macieira, e o ser humano é a maçã, permanece em Deus e recebe a seiva, a vida divina de Deus. A maçã é a parte mais nobre da macieira, e Deus insufla toda a vida espetacular nessa maçã.
Mateus 6:26 “Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves?”
Resumindo, o Deus da Bíblia, do Alcorão, das escrituras hinduístas e budistas são um só. Pois é DEUS, percebido pela mente NÃO-DUAL, e como dito, conhecido no próprio coração do ser humano. E não é “deus” fora do ser humano, um “deus” para a escritura bíblica, um “deus” para o Alcorão, um “deus” ou “deuses” para o hindu, ou até, quiçá, “deus” para os budistas. Há, decerto, cultivo, entre aspas, de religiosidade “cristã”, “judaica”, “islâmica”, “hindu” e outras, mas que são religiosidade não esclarecida, que cultivam um “deus” fora de si, ou mesmo “deuses”, criam-se tradições e dogmas meramente humanos, nada tendo de sabedoria espiritual. Essa é a posição dos gentios, falando em termos bíblicos.
Espero que tenha esclarecido minha posição. Um abraço a todos.