Paz a todos!
O que eu considero como característica interessante do dogmatismo trinitário é justamente o fato de se perceber e saber que os primeiros cristãos da era pós-apostólica, de fato, começaram a se distanciar do ensino original da Bíblia e nessa tendência também começaram a dizer que Deus não era “apenas” um, único e um só, conforme ensinado abundantemente na Bíblia, mas também, bem a posteriore, três, “trino” e “triúno”, coisa que a Bíblia não diz.
E ai não adianta especialistas em história da igreja, mesmo trinitários, dizerem que esses primeiros cristãos não ensinaram a trindade, os apologistas da trindade vão dizer que eles ensinaram e os demais defensores seguem suas pisadas, porque preferem não ver o fato de que a trindade é um dogma tardio, não um conceito histórico do cristianismo primitivo dos apóstolos.
Padovese é trinitário católico, mas não se furta em dizer que em Inácio “É a partir dela (da encarnação) que há uma ou tríade de Deus, Cristo e o Espírito Santo” (o parêntese é meu). Esse pensamento da temporalidade do Filho é seguido por outros supostos “trinitários” antigos. O site BibliaCatolica.com.br, apenas reforça a ideia que os historiadores sustentam isso ao comentar Hipólito: “ Hipólito testemunha a doutrina da Igreja sobre as Escrituras, fala da eucaristia como sacrifício, seguindo a Didaqué na aplicação da profecia de Malaquias (Ml 1,10s). Como Justino, Atenágoras, Teófilo e Tertuliano, é subordinacionista (ou seja, crê que o Filho tornou-se uma pessoa divina subordinada ao Pai, Logos proferido "posteriormente" para ajudá-lo na criação e no governo do mundo).”(1). Ou seja, é ponto pacífico que o subordinacionismo era marca registrada desses ensinadores cristãos e uma coeternidade de pessoas é produto posterior, ou mais um desvio da era pós-apostólica e até mesmo do pensamento atribuído a eles.
O mais estranho de tudo é se ignorar as nuances da palavra “Deus”, e sua polissemia.
Parece não se perceber que a palavra “Deus” se entendida no mesmo sentido que o Pai é; então, não se pode admitir temporalidade alguma. Chamar alguém de “Deus” e o admitir temporal, implica que, aplicada a esse alguém, tal palavra não tem a mesma conotação da aplicada ao Pai. Trindade temporal, com diferença entre as “pessoas”, não é trindade. E deidade temporal também não é a verdadeira “deidade”. Por isso dizer que os chamados pais da igreja, até o segundo século, ensinavam a trindade é, em termos históricos, um claro desvirtuamento do que eles ensinavam, por confundir, pela influência do tempo, o ensino de hoje com o que eles ensinaram. Na verdade, se não houvesse o condicionamento do ensino pós-concílios, falar-se-ia diferente deles.
Até o termo Pai que hoje “designa” a “primeira” pessoa, não era assim entendido no princípio do cristianismo, mesmo o do terceiro século, como testemunha Luigi Padovese, ao registrar, à página 61 de seu livro, que em busca de uma solução trinitária, a partir do III séc. “o título de 'Pai' deixa de qualificar a natureza ou o ser divino (Pai = Deus) ou de ter caráter metafórico (Pai de Israel) e logo se torna título de pessoa, com o significado de 'Pai do Senhor nosso Jesus Cristo'”.
Com relação aos escritos dos chamados pais, se sublimam algumas ocorrências do termo Deus aplicada a Jesus, sem considerar o significado do termo naquele contexto temporal. Ou seja pega-se o sentido de agora e o aplica lá trás e dai se constrói o argumento trinitários, quando muitas vezes, no máximo, se fala só do Pai e do Filho e ai já dizem que esse ou aquele defendiam a “trindade” (???). Um detalhs bem importante do comportamento trinitário é sempre buscar não citar outros personagens antigos que tem uma concepção diferente do filho, essa atitude dá a impressão aos leitores que todos os chamados “pais” eram “trinitários”. Um dos casos não citados ou citado fora do contexto é Clemente Romano ou Clemente de Roma, bispo daquela cidade entre 88 e 97 d.C. Falecido em 102 d.C, autor do mais antigo escrito cristão fora das escrituras canônicas de que se tem notícia, mais antigo ainda do que os escritos de Tertuliano e Taciano, também no II século. Irineu em “Contra os Hereges” fala dele dizendo: “ele viu os Apóstolos e com eles conversou, tendo ouvido diretamente a sua pregação e ensinamento”. Alguns afirmam que este é o mesmo Clemente citado por Paulo em Fl. 1.3, mas outros discordam. Luigi Padovese comenta Clemente informando que a despeito de “recorrer algumas vezes a fórmulas trinitárias, revela uma concepção cristológica ainda judaizante, uma vez que jamais atribui a Cristo o título de Deus e não enfatiza a sua preexistência.” Claro que Pavodese com trinitário que é, classifica de “judaizante” o fato de Clemente não atribuir o título de Deus a Cristo, mas certamente isso é um registro histórico de que haviam cristãos primitivos que ainda mantinham a verdadeira fé em Deus e no seu Cristo. Ou seja, reconhece o “trabalho” dos três, mas não como um Deus composto.
Obs.: “Fórmula trinitária” é um expressão artificiosa trinitária para considerar qualquer citação dos três como uma alusão a trindade. Quanto é, de fato, apenas citação dos três juntos.
Hermas, irmão do Bispo Pio e provavelmente citado por Paulo em Rm. 16.14 escreveu sua obra “O Pastor”, e esta tornou-se conhecida através de sua circulação por volta de 150 d.C (4). Algumas comunidades e personalidades cristãs antigas o consideravam escrito canônico ou em grande apreço, dentre eles podem ser citados Irineu, Clemente de Alexandria, Orígenes e até Atanásio. Acerca da visão de Hermas sobre Jesus Cristo, Padovese registra que “Em suma, concebe-o como um personagem de dignidade e natureza transcendentes às humanas, sem ser, porém divinas, colaborador de Deus na criação e no governo do mundo, mas num plano de nítida inferioridade.”(5).
Ora quando alguem diz que Inácio é “trintário” e outro diz que ele NÃO é “trinitário” precisamos colocar isso sob perspectiva.
Se ele diz: “Jesus é Deus”, mas que essa condição “trinitária” só ocorre depois da encarnação, então, a “trindade” não existia antes. Se ela não existia antes será que pode-se chamar “Trindade”? O que dizer dessa “deidade”? Ora, alguém pode chegar e dizer: “Jesus é o próprio Yahweh, mas ele só é Yahweh depois da encarnação”, então, simplesmente ele não é Yahweh!!!
Trindade é uma doutrina/dogma de frágil sustentação em todos os aspectos, não somente no aspecto bíblico, pois basta faltar aos requeridos “coiguais” uma única característica inerentemente de Yahweh para ela deixar de existir. Na verdade, ela existe pela capacidade daqueles que a aceitam em ignorar esses detalhes. É como o dogma da eternamente virgem. É superpopular e aceitação geral no meio católico e por mais que seja defendido não é bíblico, embora usem a bíblia para isso.
Na Paz!
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(1)http://www.bibliacatolica.com.br/historia_igreja/26.php
(2)Manual Bíblico de Halley, Editora Vida – 2000, pág. 776
(3)Padovese, Luigui in Introdução à Teologia Patrística, Edições Loyola – 2004, pág. 63
(4)Padres Apostólicos, Paulus Editora – 1995, pág. 164
(5)Padovese, op cit.