Antonio, Paz!
Dando sequência a questão das 25 citações.
De Inácio, já falamos no link indicado. Absolutamente precário acreditar nesses escritos atribuídos a ele.
Policarpo não chama Jesus de Deus na referência indicada. Veja que “nosso Senhor e Deus, Jesus Cristo e seu Pai” é um conjunto. “Senhor Jesus” e “Deus seu Pai”. Talvez isso já tenha sido percebido por outros trintários tanto que em muitas listas essa não aparece.
Epístola de Barnabé, nessa citação Jesus é chamado de Senhor a quem Deus disse na fundação do mundo: “Façamos”. Ou seja, não é apropriada ao que a lista pretende.
Justino tentando se defender de que não era ateu, acusação feita pelos pagãos, porque não viam ídolos entre cristãos, afirmou: “Honrando-o com razão e verdade, nós veneramos e adoramos a Ele e ao seu Filho, que veio da parte dele e nos ensinou estas coisas, à hoste dos outros anjos bons que o seguem e são semelhantes a ele, e ao Espírito profético”(Justino, Apologia 1, 6 in A Fé Cristã Através dos Tempos, Bernhard Lohse, Ed. Sindal – 1972, pág. 49). Bernhard Lohse considera notável que Justino coloque o Espírito Profético em quarto lugar, logo depois da adoração dos anjos bons, supostamente cultuados, pelos cristãos. Justino em diálogo com Trifão classifica Jesus como “outro Deus e Senhor sujeito ao Criador de todas as coisas” (Dialogo, 56.11). Essa exposição de Justino constituiria uma adoração para além da trinitária em número e aquém da igualdade entre os listados, já que quatro pessoas ou grupos, anjos inclusos, são indicados como adorados, então, mais apropriadamente seria classificada como uma adoração quaternária, ou mesmo politeísta, já que além dos anjos, Jesus para ele era outro “Deus”. Apesar de tudo isso trechos dos escritos de Justino são usados, ainda hoje, para tentar apoiar o dogma trinitário. Deveríamos perceber e considerar que tal alegação de Justino mostra, na verdade, um desvio do monoteísmo herdado dos judeus. O culto dos anjos é, certamente, uma prática gnóstica e em Cl. 2.18 Paulo condena os que tal coisa fazem. É mais provável que Justino estivesse defendendo, não uma prática da verdadeira igreja, mas sua, ou de alguma comunidade cristã isolada com ideias próprias (Irineu, pouco depois da morte de Justino, já contava 20 diferentes vertentes do cristianismo.), da qual fazia parte, pois “Justino não tinha nenhuma posição oficial dentro da igreja romana e parece ter existido à sua margem, tendo na época uma influência limitada” (Heresia – Uma História em Defesa da Verdade – Alister McGrath o Hagnos , 1ª Edição – 2014, pág. 153.).
“Justino cria em um segundo Deus, adorado em nível secundário.” (J. N. D. Kelly pág. 72 e 75.)
Taciano disse: “Antes da criação, Deus estava só; o Logos estava imanente nEle como Sua potencialidade para criar todas as coisas. No momento da criação, porém, Ele irrompeu do Pai como Sua 'obra primordial' (ergon prototokon). 'espírito derivado de espírito, racionalidade derivada do poder racional'” [Kelly, J. N. D. op cit, pág. 72] Para Tarciano o logos era uma potencialidade, ou seja, impessoal, semente depois, quando Deus quis, ele se torna pessoa, logo ele não chama Jesus de Deus no mesmos sentido daquele que fez do logos impessal o logos pessoal que será conhecido como Jesus.
O Escritor Paulo Cesar nos dá uma informação que abrange de uma só vez vários dos listados ao comentar Orígenes: “Orígenes aqui criticou aquela impostação MUITO DIFUSA no II e III séculos por Justino, Taciano, Atenágoras, Teófilo de Antioquia, Tertuliano, Hipólito, etc., que falam de dois estágios no relacionamento do Logos com Deus: O logos existia ab aeterno em Deus como Palavra imanente, IMPESSOAL, que com um termo técnico chamamos de logos endiathetos e depois antes dos tempos, em função ante tempus, porque se pode falar do tempo somente a partir do mundo, foi gerado, proferido em função da criação do mundo, logos proforikós.” (Salvatoris Disciplina, Paulo Cesar – Editora Pontificia – pág. 136). Note que para JUSTINO, TACIANO, ANTENÁGORAS, TEÓFILHO DE ANTIOQUIA, TERTULIAO, HIPÓLITO Jesus não era eternamente existente como indivíduo. Só essa observação feita por um católico trinitário põe em xeque o sentido proposto do uso da palavra Deus pelos reivindicados na lista, e a citação abaixo confirma isso
Falando de Hipólito os analistas afirmam: “Como Justino, Atenágoras, Teófilo e Tertuliano, é subordinacionista (ou seja, crê que o Filho se tornou uma pessoa divina subordinada ao Pai, Logos proferido ‘posteriormente’ para ajudá-lo na criação e no governo do mundo) [http://www.bibliacatolica.com.br/ ou http://www.veritatis.com.br/antigo/8691-cisma-na-igreja]
Orígenes por sua vez disse: “só o Pai é autotheos; de maneira que João, diz ele, descreve corretamente o Filho, chamando-o somente de theos, e não de ho theos” (Kelly, J. N. D. Op cit pág. 98). Ou seja, chamava Jesus de "Deus", mas não igual ao Pai. Disse também.
Disse também: “o Filho é um segundo Deus” (Contra Celso, 5.39.)
Os comentaristas de Orígenes dizem: “Orígenes provavelmente não pretendia afirmar a identidade de substância entre Pai e Filho, mas o fato de que eles participam da mesma substância”. (Albérigo, Giuseppe Op cit. Pág. 33)
Melito de Sardes era um modalista (sabelianista), ou seja, acreditava que Jesus era o próprio Pai, logo se ele acreditava nisso era natural chamar Jesus de Deus. Então a declaração dele decorre de um erro de identificação e não serve como prova.
Irineu- Berkhoff informa que: “Irineu também concebia o Logos como sendo, originalmente, razão impessoal em Deus, tendo Se tornado pessoal por ocasião da Criação” (Louis Berkhof in História das Doutrinas Cristãs – PES – 2015, pág. 65) Ou seja, Jesus não seria, para Irineu, "Deus" no mesmo sentido que o Pai é, já que nem existia como pessoa antes.
Clemente de Alexandria- Era um cristão de tendências gnósticas. Ele mesmo diz: “Cristo não tinha desejos físicos, que comia e bebia apenas para demonstrar que não era simples fantasma (Str. 6.71); não digeria seu alimento (ibid. 3.59).” Ou seja, ele não acreditava na verdadeira humanidade de Jesus, logo, dentro do seu erro, seria natural acreditar que Jesus era Deus/homem. E é Clemente também que diz: “A Gnose é a plenitude do conhecimento, na qual culminam a Fé e a Filosofia. Querer chegar à Gnose sem Filosofia, sem dialética e sem o estudo da natureza é pretender colher as uvas sem cultivar a vinha. Para chegar até ela há que ascender, mediante a Fé, penetrar os segredos das Escrituras encobertas debaixo do véu das alegorias e conhecer os ensinamentos secretos do Senhor, transmitidos pela Tradição aos Apóstolos, especialmente a Pedro, Santiago, João e Paulo, e, destes aos demais.
Seu objeto é o conhecimento de Deus, que é a causa mais além de todas as causas, e do Logos que é a verdade por essência. É um conhecimento eminente, esotérico, reservado a uma minoria muito seleta, contraposto ao conhecimento popular que está destinado ao comum dos fiéis. É uma iluminação, uma compreensão, um estado habitual de contemplação, conhecimento intuitivo e afetivo da causa suprema de todas as coisas, que produz uma certeza absoluta. É a perfeição da caridade, própria do Novo Testamento.” (http://www.gnose.org.br/gnosticismo/gnose_e_plenitude - Clemente de Alexandria)
“Clemente de Alexandria e Orígenes são inexplicáveis sem o gnosticismo.” (Paulo Cesar em Salvatoris Disciplina, Pontificia Universtà Gregoriana, Roma – 2002, pág. 85.)
Tertuliano reconheceu que nem gregos, nem latinos criam em uma trindade, tanto que disse: “Os Simples, de fato (não vou chamá-los de tolos ou ignorantes), que sempre constituem a maioria dos fiéis estão chocados com a dispensação (dos Três em Um)” e mais a frente nesse mesmo capítulo lemos: “enquanto gregos justamente se recusam a entender a economia, ou dispensação (dos Três em Um)”.
Ele também disse, se referindo a Deus e a Jesus: “Pois eu posso dar o nome de 'sol' até mesmo para um raio de sol, considerado em si mesmo; mas se eu for mencionar o sol de onde o raio emana, eu certamente devo imediatamente abandonar o uso do nome de sol para o mero raio.” (Contra Praxeas, cap. 13) Ou seja, somente o Pai é realmente Sol (Deus), mas um raio (Jesus) pode em sentido secundário ser chamado de sol.
E a frase que mais incomoda os trinitários acerca de Jesus considerando quem é Tertuliano para a teologia trinitária: “Houve um tempo em não havia o Filho e nem pecado, quando Deus não era Pai e nem juíz (Contra Hermógenes, C. 3.). Ora, se ele cria que houve um tempo em que não havia Filho, como pode acreditar na eternidade do Filho e em uma trindade eterna? E, por consequência, como Jesus poderia ser Deus tanto quanto o Pai é, se não era eterno? Logo, o sentido em que se usa o vocábulo "Deus" para Jesus precisa ser visto com a devida cautela.
Note que há os que chamam Jesus de “segundo Deus”, ou seja, eram praticamente diteístas e não monoteístas estritos. Os que reconhecem que Jesus só passou a existir depois, portanto não poderia ser Deus no mesmo sentido que o Pai. Há, por outro lado, aqueles que achavam que Jesus eram o próprio Pai, portanto baseados no erro do modalismo ou sabelianismo. Haviam aqueles envolvidos com ideias gnósticas e etc, que até acreditavam que Jesus era tão eterno quanto Deus, mas acreditavam, também, na eternidade da criação, como Orígenes, por exemplo (“Deus chamou à vida um mundo de entes espirituais, os quais são coeternos com ele.” A Fé Cristã Através dos Tempos, Bernhard Lohse, Ed. Sinodal – 1972, pág. 52). Ou seja, quando analisados a fundo nenhum deles são dignos de confiança no sentido da identidade de Jesus ao chamá-lo de Deus. E de fato, algumas das citações acima, nem mesmo chamam Jesus de Deus, e os que chamam não o identificam como sendo o mesmo Deus que o Pai, exemplo disso é Tertuliano que diz em Contra Praxeas 9.2: “Pois o Pai é a inteira substância (pater enim tota substantia est); o Filho é derivação e porção do todo (filius vero derivatio tortius et portio)”.
O que essas ideias apresentam são o início do desvio, e o mesmo sentimento que mais tarde transformará Maria em medianeira.
Talvez escreva mais depois, mas ai está apenas a ponta do iceberg que indica que não devemos confiar nessas citações, porque estão todas descontextualizadas e não apresentam de forma completa os problemas que as envolvem.
Paz seja contigo!
Valdomiro.