"O nascimento virginal não pode ser considerado um sinal válido para identificar o Messias. Para validar essa história, os autores do novo testamento teriam que ligar com alguma profecia da Torá (Bíblia Hebraica) que eles chamam de velho testamento. Veja como eles fizeram isso no Evangelho de Mateus: “Foi assim o nascimento de Jesus: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Por ser José, seu marido, um homem justo e não querendo expô-la à desonra pública, pretendia anular o casamento secretamente. Mas, depois de ter pensado nisso, apareceu-lhe um anjo do Senhor em sonho e disse: José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e você deverá dar-lhe o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados. Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo profeta: A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e lhe chamarão Emanuel que significa Deus conosco.”(Mateus 1:18-23).
A profecia mencionada acima se encontra no Livro de Isaías capítulo 7 verso 14. Vamos ler a versão orginal:
:יד. לָכֵן יִתֵן אֲדנָֹי הוּא לָכֶם אוֹת הִנֵה הָעַלְמָה הָרָה וְילֶֹדֶת בֵן וְקָרָאת שְמוֹ עִמָנוּ אֵל
“Eis pois que o Eterno, Ele mesmo, vos dará um sinal: eis que a moça grávida, dará à luz um filho e o chamará Imanuel.”.
O que o autor do livro de Mateus fez foi traduzir a palavra “Almah” (עַלְמָה ) que em hebraico significa, “moça” como “virgem“. O problema é que “almah” não pode ser traduzido como “virgem” e em todos os outros casos onde a palavra “almah” aparece na Bíblia os cristãos traduzem como “jovem” ou “moça”, nunca como “virgem”. Com exceção desse verso, é claro. Uma das raras passagens em toda a Bíblia onde a palavra “Almah” é usada (somente 7 vezes), se refere à uma moça que de fato não era virgem. Vamos analisar usando a tradução cristã (NVI): “Há três coisas misteriosas demais para mim, quatro que não consigo entender: O caminho do abutre no céu, o caminho da serpente sobre a rocha, o caminho do navio em alto mar, e o caminho do homem com uma moça (almah).Este é o caminho da adúltera: Ela come e limpa a boca, e diz: ‘Não fiz nada de errado’.” (Provérbios 30:18-20).
Nessa passagem em Provérbios, os cristãos traduzem a palavra “almah” como “moça”. Mas que tipo de “moça” é essa? No verso o Rei Salomão expressa que existem quatro coisas que ele não consegue entender e no final as compara como o “caminho da adúltera“. O que esses quatro caminhos têm em comum? A resposta é que eles não deixam nenhum rastro. Assim como não é possível identificar o rastro de um abutre que acabou de passar pelo céu, da mesma forma uma serpente sobre a rocha , um navio sobre o mar e também uma “almah” que teve relações com um homem.
O Rei Salomão está dizendo que assim que um homem tem relações íntimas com uma “almah”, nenhum rastro fica visível. Se “almah” significasse “virgem” o verso não se aplicaria, pois uma virgem que teve relações íntimas tem seu hímen rompido. Por essa razão o verso seguinte vem e declara: “Este é o caminho da adúltera: Ela come e limpa a boca, e diz: ‘Não fiz nada de errado’. Uma vez que a adúltera come (tem relações íntimas com outro) ela remove qualquer rastro ou vestígio (limpa a boca) e diz ‘Não fiz nada de errado’. Vemos daqui que mesmo cristãos concordam que a palavra “almah” não pode ser interpretada como “virgem”.
A palavra em hebraico para “virgem” é “betulah” (בְתוּלָה ). Ao contrário de “almah” que só é trazida uma vez pelo profeta Isaías, a palavra “betulah” é trazida cinco vezes em suas profecias e interpretadas por Judeus e Cristãos como “virgem”. (ver Isaías 23:4; 23:12; 37:22; 47:1; 62:5).
E como os missionários do Jews for Jesus explicam esse problema?
Eles alegam que quando os Rabinos traduziram a Bíblia para o Grego e criaram a versão conhecida como Septuaginta, a palavra em grego “parthenos” usada para traduzir “almah” pode ser interpretada como “virgem”. Aparentemente foi essa versão que o autor do livro de Mateus usou.
Os missionários alegam também que como a Septuaginta é uma versão aceita pelos Rabinos, então a interpretação tem que ser aceita como válida pelos Judeus.
Qual o problema com essa resposta? Muitos. O primeiro deles é que a Septuaginta criada pelos rabinos ha mais de 22 séculos atrás, era composta somente dos Cinco Livros de Moisés (Chumash ou Pentateuco). Ou seja, o livro de Isaías não fazia parte.
A Septuaginta tem esse nome porque foi uma tradução feita por 72 rabinos a mando do rei Ptolomeu do Egito. O primeiro relato da existência dessa tradução se encontra na famosa “Carta de Aristeas”, um documento grego confirmando que a Septuaginta era composta somente dos cinco livros de Moisés. Sua história também está registrada no Tratado Megilah do Talmud Bavli, página 9a e relatada pelo historiador Flávio Josephus no livro Antiguidade dos Judeus (XII, ii, 1-4).
É interessante observar que um dos principais personagens da história da Igreja Católica, S.Jerônimo, o tradutor da Bíblia para o Latim (Vulgata), concorda com isso.
“Josephus, que conta a história dos Setenta Tradutores, relata que eles traduziram somente os cinco livros de Moisés; e nós também reconhecemos que está mais em harmonia com o Hebraico que o restante.” (S.Jerônimo, Preface to the Book of Hebrew Questions, Nicene and Post-Nicene Fathers, Volume 6. Pg. 487).
De acordo com S.Jerônimo, os outros livros da Bíblia foram adicionados mais tarde pelos cristãos à Septuaginta e não estão em tão harmonia com o original hebraico quanto os cinco primeiros livros. Essa resposta pode ser encontrada também no dicionário cristão conhecido como “The Anchor Bible Dictionary”, Volume 5 pg. 1093.
Essa versão posterior criada pelos cristãos foi rejeitada pelos Judeus, conforme explica o Teólogo Cristão, Professor Dr. F.F.Bruce;
“Os Judeus podem ter em algum momento posterior autorizado um texto padrão para o resto da Septuaginta, mas perderam o interesse na Septuaginta por completo. Com pouquíssimas exceções, todos os manuscritos da Septuaginta que chegaram até os nossos dias foi copiado e preservado no meio Cristão, não Judaico.” (F.F. Bruce, The Books and the Parchments, p.150.).
Isso refuta o argumento missionário que alega a legitimidade judaica da Septuaginta, já que a mesma é uma versão Cristã. O segundo problema é que mesmo na Septuaginta, a palavra “Parthenos” usada em Isaías nem sempre é traduzida como “virgem”. Um dos casos mais conhecidos é a história de Diná, a filha de Jacó. Após ser violentada por Shechem a Bíblia em Grego continua se referindo a ela como “Parthenos” e tanto Cristãos como Judeus traduzem como “Moça”.
Veja o relato da tradução em português da Septuaginta:
“E Siquém, filho de Hamor, heveu, príncipe daquela terra, viu-a, e tomou-a, e deitou-se com ela, e humilhou-a. E apegou-se a sua alma com Diná, filha de Jacó, e amou a moça (Parthenos) e falou afetuosamente à moça (Parthenos). Falou também Siquém a Hamor, seu pai, dizendo: Toma-me esta moça (Parthenos) por mulher.” (Gênesis 34:2-4).
Está evidente nesse caso que a palavra Parthenos nem sempre pode ser traduzida como Virgem. Com isso fica claro que a palavra virgem foi propositadamente colocada na profecia de Isaías. Um último ponto importante é lembrar que, para a resposta missionária funcionar, você teria que traduzir o texto orginal hebraico para o grego e depois para uma terceira língua.
Somente assim o autor conseguiria fincar a palavra “virgem” no contexto. Só que o texto foi escrito em Hebraico e não em Grego, em hebraico a palavra usada por Isaías, “almah”, não significa “virgem” em nenhum contexto.
Mas os missionários não desistiram e tentaram falsificar um comentário de Rashi (Rabbi Shlomo Yitzchaki) para validar sua interepretação. Esse texto foi escrito pelo missionário messiânico David Stern em seu livro “Jewish New Testament Comentary”:
“O mais famoso comentarista medieval da Bíblia Judaica, o Rabino Shlomo Yitzchaki (“Rashi”, 1040-1105), que se opos decididamente contra a interpretação cristológica do Tanakh, no entanto, escreveu em Isaías 7:14: “Eis que a almah conceberá e dará à luz um filho e porás o nome de Immanu’el ‘. Isto significa que o nosso Criador estará conosco. Este é o sinal: Aquela que irá conceber é uma menina (na’arah) que nunca em sua vida teve relações sexuais com qualquer homem. Sobre esta o Espírito Santo terá poder. “
Mas Rashi disse mesmo isso? Não.
Esse texto de Rashi não existe em lugar algum. Isso que Rashi disse: “Immanuel: (D’us é conosco) Isto significa, que nossa Rocha estará conosco, e esse é o sinal: Ela é uma jovem que nunca profetizou (nitneviet: נתנבאית ) e ainda assim inspiração Divina vai repousar sobre ela.” Sem contar que argumentos assim tem que ser respondidos, como estes do Judaísmo em Ação.