por Ezacno Dom 28 Nov 2021, 11:43
A necessidade da reafirmação da própria heterossexualidade como mecanismo de autodefesa diante da ameaça da imagem "infame" do beijo gay é algo que não se repete com a mesma intensidade para outros casos ou temas. Por exemplo, testemunhar um ato de corrupção ou chantagem não parece acionar, nas pessoas, um mecanismo de autodefesa. Pelo menos, não com a mesma intensidade quando se testemunha um beijo gay. Além disso, me chama a atenção no discurso de rejeição/proibição um certo tom de vitimismo.
Analisando a situação de forma mais ampla, isto é, refletindo superficialmente a partir do conceito de "sexo" é possível, imagino, encontrar uma das bases (considero a possibilidade de existirem outros fundamentos) que poderiam justificar ação de autodefesa de alguns (obviamente que não todos) heterossexuais.
Sexo é um ato que não se realiza sozinho, pelo menos não é sozinho que se alcança a plenitude do sexo. Para praticar sexo é imprescindível a presença de outra pessoa. Sexo é algo que se faz junto. Portanto, sexo é uma realização que não depende somente do indivíduo. Assim, existe uma dependência do outro, um compartilhamento com o outro para que o sexo se realize em sua plenitude. Em essência, no sexo, somos afetados pela outra pessoa, assim como, também a afetamos. Existe, no sexo pleno, uma vulnerabilidade de mão dupla.
A partir da perspectiva exposta no parágrafo anterior, quero propor uma das bases (hipótese) que acionam o mecanismo de autodefesa de alguns heterossexuais quando se deparam com um beijo gay.
Imagine que dois homens barbudos estão sentados em um banco de uma praça pública. De repente, eles se beijam. Então, alguns heterossexuais (os mesmos autores dos discursos de rejeição/proibição supracitados, porque nem todo heterossexual se comporta assim) disparam "voluntária/involuntariamente" seus gatilhos de autodefesa.
O que aconteceu foi que esses heterossexuais se viram naquela imagem "infame" do beijo gay. Do mesmo modo, quando vemos um casal feliz se beijando ou caminhando de mãos dadas, também nos vemos nessa imagem. Quando um homem aparentemente bem-sucedido passa por nós, muito bem-vestido e entra naquele "carrão", nos vemos nesta imagem. Quando aquela família, aparentemente feliz, entra na linda casa deles, nos vemos nesta imagem. Tudo isso faz parte de uma projeção de nossa própria imagem. Como se fosse um objetivo ou um estado existencial a ser alcançado ou simplesmente uma aprovação de nossa parte.
Ao se ver naquela imagem do beijo gay ocorre o disparo do gatilho de autodefesa sendo exigido que se rejeite tal ato. A pessoa heterossexual se viu ameaçada a ser outra coisa (se imaginar beijando uma outra pessoa do mesmo sexo). Essa rejeição, acredito, quando ocorre, ocorre na maioria das vezes internamente, ou seja, a rejeição não chega a ser explícita na maioria dos casos. Entretanto, quando se faz explícita, frequentemente se faz por meio de violência verbal e, às vezes, por meio de violência física podendo, em alguns casos, infligir a morte.
Considero que uma questão importante é "como desarmar esse gatilho violento?" ou, pelo menos, impedir uma reação de violência explícita? Porque, como todos deveríamos saber, violência não é a resposta.